Roundabout Lx

Texto de Miguel Martins, a quem muito agradecemos estas palavras :

 

Ontem à noite, no Roundabout Lx, espaço de criação artística recentemente inaugurado no bairro de Lisboa em que cresci, assisti ao espetáculo "Mãos Largas", de João Camões (viola de arco, mey, transístor) e Kátia Sá (performance, vídeo em tempo real).
Trata-se de uma das criações mais interessantes que me foi dado ver de há muito tempo a esta parte. 
Se o contributo de cada um dos intervenientes seria, por si só, extremamente belo e estimulante, a verdade é que, aqui, é particularmente verdade a ideia de que o todo pode ser mais do que a soma das partes. A sobreposição das duas componentes forma uma terceira dimensão em que, longe de serem redundantes ou, sequer, complementares, ganham uma unidade em que as diríamos indissociáveis.
Se, por vezes, o seu "casamento" é objectivo, pela similitude das dinâmicas visuais e sonoras, quando tal não sucede é no plano da subjectividade que tal união se afirma, com uma eficácia encantatória e onírica que funcionou, para mim, individualmente, e, quase poderia jurá-lo, sem apelar a quaisquer misticismos, para quantos estavam presentes, de um modo colectivo.
Beleza, rigor e eficácia, portanto. Mas também - planando sobre esses factores e determinando-os - novidade, o que, a despeito da autofágica crítica às vanguardas que alimenta algumas das vanguardas actuais, não pode deixar de ser valorizado.
No mundo de abundâncias várias em que crescemos, permanentemente bombardeados por imagens e sons (palavras incluídas), ou seja, voluntaria e involuntariamente (e reiteradamente) perdidas tantas "virgindades", a possibilidade e a efectiva capacidade de surpreender (quer consideremos os mecanismos artísticos como ilusórios ou transcendentes) assume, claramente, uma feição "mágica". E é isso que sucede com "Mãos Largas" - razão mais do que suficiente para merecer a gratidão e o reconhecimento dos espectadores.
Ontem, durante a duração do espetáculo, vi onze adultos, eu incluído, de certo modo revertidos à infância, o que, em minha opinião, é uma das mais belas e gratificantes sensações que se pode ter. E, creio, para muitos de nós, essa suspensão do tempo, perdurou para lá do termo da performance.
Dito isto - e como muito bem indagou uma rapariga na audiência -, claro que "Mãos Largas", decorre de, veícula e efectivamente comunica ideias que, no seu entender (como no meu e, o que é muito mais importante, no da Kátia), têm que ver com liberdade versusclausura/manietação (e o facto de, segundo me disse o João, esta obra se ter, de algum modo, inspirado em Herberto Helder corrobora-o). Mas isso, por limitar as possibilidades de apropriação por parte do público, acaba por ser o que menos importa...

Miguel Martins, 2013

Disponível em: http://ounicoverdadeirodeusvivo.blogspot.pt/2013/05/ontem-noite-no-roundabout-lx-espaco-de.html?spref=fb






Roundabout.Lx — 18 Maio de 2013
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